Isabela Vieira
Foto: Tânia Rêgo
Agência Brasil de Comunicação
www.agenciabrasil.ebc.gov.br
Rio de Janeiro/RJ - Aprovada há 10 anos, a Lei das Domésticas, como ficou conhecida a Lei Complementar 150, é considerada um marco por regulamentar direitos dos trabalhadores domésticos conquistados a partir da Emenda Constitucional 72, a PEC das Domésticas.
Passado esse tempo, a categoria, formada por uma maioria de mulheres negras, ainda enfrenta barreiras para ter a Carteira de Trabalho assinada e os novos direitos. Outro desafio é inclusão das Diaristas, deixadas de fora da Lei.
LEIA TAMBÉM - Federação de Domésticas reivindica mesmos direitos para Diaristas
Na avaliação da presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, Maria Izabel Monteiro, a LC 150 introduziu direitos importantes, como a jornada máxima de 44 horas semanais, o pagamento de Horas Extras, Adicional Noturno e a obrigatoriedade do pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Porém, a sociedade, como um todo, se beneficia da economia do trabalho doméstico, que libera tempo para outros profissionais, mas sonega encargos e ignora direitos da categoria.
“A sonegação vem porque a própria sociedade vê um valor social menor neste trabalho e ignora os direitos das Domésticas” afirmou a dirigente.
“A classe média alta não considera o trabalho doméstico como profissão, mas não abre mão de ter uma trabalhadora em casa. Quem é empregador – e tem direitos trabalhistas – precisa saber que aquela pessoa que cuida do seu bem maior, da sua casa, de seus filhos, de seu pai, mãe, avô, avó, não é da família e tem direitos”, completou Maria Izabel.
Ela defende mais fiscalização, com blitzes em condomínios, por exemplo.
O Brasil tinha 5,9 milhões de trabalhadores domésticos em 2022, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Cerca de 91% são mulheres, e 7 em 10 são negras. A metade dos trabalhadores domésticos (52,9%) é chefe de família, e só 2 em 10 possuíam carteira assinada.
Apesar dos benefícios trazidos pela Lei Completar 150, a coordenadora-geral da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), Creuza Maria Oliveira, cobra também o reconhecimento das Diaristas como Domésticas, e a correção do que ela chamada de “falhas” na Lei.
As Domésticas foram excluídas do Abono Salarial (PIS), pago aos trabalhadores que ganham até 2 Salários Mínimos, e só têm direito a 3 parcelas de Auxílio-Desemprego, com teto de R$ 1.518,00 (Salário Mínimo).
Os demais trabalhadores formais recebem 5 parcelas, com teto de R$ 2.424,11.
"Essa questão do Seguro-Desemprego é difícil porque, quando a gente é mandada embora, ganha menos, e há uma série de regras novas que dificultam o resgate, se você ficou menos de um ano em uma casa, por exemplo", disse Maria*, que hoje é babá e trabalha desde os 10 anos de idade em casa de família. Ela reconhece avanços, mas cobra a igualdade.
"A única coisa que a gente ainda não tem é o PIS, mas assinar a carteira foi bom. Quando eu comecei, em Guarabira, no interior da Paraíba, a gente não ganhava R$ 100 por semana. Até hoje, o pessoal lá não paga um salário", contou.
A pedido da categoria, a equiparação dos direitos das Domésticas e inclusão das Diaristas na LC 150 está em discussão pelo Governo Federal.
De acordo com a subsecretaria de Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paula Montagner, a medida é complexa e exige discussão com a sociedade.
“Qualquer medida ou legislação apresentada pelo Executivo demanda ir ao Congresso [Nacional] e ser capaz de convencer o legislador nessa direção”.
Porém, Paula reconheceu que o ministério precisa “facilitar o recolhimento patronal combinado”.
Em 2015, a Lei Complementar garantiu aos domésticos também a indenização por demissão sem justa causa, o pagamento de Horas Extras, folga semanal remunerada e o direito a intervalo para repouso ou alimentação de uma hora, no mínimo, por dia, admitindo-se a redução para 30 minutos por meio de acordo.
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Para assegurar o registro, a trabalhadora precisa ser inscrita pelo patrão no Sistema E-social.
Os direitos conquistados são uma forma de reconhecer a importância da profissão, na opinião de Tâmara*, que é empregada doméstica registrada. Porém, mais medidas de valorização são necessárias.
"A gente dá nosso tempo, amor, carinho, a gente se dedica às crianças, aos idosos, é um trabalho cansativo, que libera tempo para os outros moradores, mas que não é respeitado, muitas vezes, somos maltratadas pelos patrões", reclamou.
Ela se refere a violências, como o assédio moral e sexual.
Tâmara é mãe solo de 2 crianças e complementa a renda como folguista aos finais de semana e no contraturno.
Segundo a Pnad, em 2022, 4 em 10 domésticas eram pobres (26,2%), com renda de até meio Salário Mínimo, ou extremamente pobre (13,4), com renda menor que um quarto de Salário Mínimo.
Mulher negra, pobre, chefe de família e com baixa escolaridade, Tâmara tem o perfil da trabalhadora doméstica no país.
Na avaliação de Anazir Maria de Oliveira, Assistente Social e pioneira na luta das Domésticas, a desvalorização da categoria tem raízes na escravidão.
O fim do regime não garantiu empregos assalariados a pessoas negras, e a relação com as Domésticas espelhou a casa grande, com formas de assédio, violência e maus tratos.
Creuza Oliveira, da Fenatrad, concorda que a resistência ao pagamento das domésticas está enraizada no passado, o que explica a rejeição à formalização.
“[Patrões] Passaram décadas e décadas sem pagar nada, tendo os serviços dessas mulheres em suas casas, em suas fazendas e em seus apartamentos, sem pagar nada”.
Além disso, por ser feito por mulheres, nunca foi valorizado, refletiu Creuza.
TRABALHO DOMÉSTICO ESCRAVO
Autora da PEC das Domésticas, a deputada Benedita da Silva (PT/RJ), que também atuou pela LC 150, vê ainda outra barreira para enfrentar a exclusão histórica das domésticas: o trabalho doméstico escravo.
"Nós temos tido avanços, mas ainda não concluímos a tarefa de ter as trabalhadoras domésticas com seus direitos conquistados cumpridos pelos seus empregadores", afirmou a deputada.
Para melhorar a fiscalização, a subsecretaria Paula Montagner informou que é necessário construir “um percurso legal”, que está em discussão na área de inspeção, e envolve outras áreas, como as polícias, a assistência social e o Judiciário.
Para denunciar trabalho escravo doméstico, ligue para o Disque 100, registre a queixa sistema Ipê ou no site do Ministério Público do Trabalho.
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Foto: Tânia Rêgo
Agência Brasil de Comunicação
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Rio de Janeiro/RJ - Aprovada há 10 anos, a Lei das Domésticas, como ficou conhecida a Lei Complementar 150, é considerada um marco por regulamentar direitos dos trabalhadores domésticos conquistados a partir da Emenda Constitucional 72, a PEC das Domésticas.
Passado esse tempo, a categoria, formada por uma maioria de mulheres negras, ainda enfrenta barreiras para ter a Carteira de Trabalho assinada e os novos direitos. Outro desafio é inclusão das Diaristas, deixadas de fora da Lei.
LEIA TAMBÉM - Federação de Domésticas reivindica mesmos direitos para Diaristas
Na avaliação da presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, Maria Izabel Monteiro, a LC 150 introduziu direitos importantes, como a jornada máxima de 44 horas semanais, o pagamento de Horas Extras, Adicional Noturno e a obrigatoriedade do pagamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Porém, a sociedade, como um todo, se beneficia da economia do trabalho doméstico, que libera tempo para outros profissionais, mas sonega encargos e ignora direitos da categoria.
“A sonegação vem porque a própria sociedade vê um valor social menor neste trabalho e ignora os direitos das Domésticas” afirmou a dirigente.
“A classe média alta não considera o trabalho doméstico como profissão, mas não abre mão de ter uma trabalhadora em casa. Quem é empregador – e tem direitos trabalhistas – precisa saber que aquela pessoa que cuida do seu bem maior, da sua casa, de seus filhos, de seu pai, mãe, avô, avó, não é da família e tem direitos”, completou Maria Izabel.
Ela defende mais fiscalização, com blitzes em condomínios, por exemplo.
O Brasil tinha 5,9 milhões de trabalhadores domésticos em 2022, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Cerca de 91% são mulheres, e 7 em 10 são negras. A metade dos trabalhadores domésticos (52,9%) é chefe de família, e só 2 em 10 possuíam carteira assinada.
Apesar dos benefícios trazidos pela Lei Completar 150, a coordenadora-geral da Fenatrad (Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas), Creuza Maria Oliveira, cobra também o reconhecimento das Diaristas como Domésticas, e a correção do que ela chamada de “falhas” na Lei.
As Domésticas foram excluídas do Abono Salarial (PIS), pago aos trabalhadores que ganham até 2 Salários Mínimos, e só têm direito a 3 parcelas de Auxílio-Desemprego, com teto de R$ 1.518,00 (Salário Mínimo).
Os demais trabalhadores formais recebem 5 parcelas, com teto de R$ 2.424,11.
"Essa questão do Seguro-Desemprego é difícil porque, quando a gente é mandada embora, ganha menos, e há uma série de regras novas que dificultam o resgate, se você ficou menos de um ano em uma casa, por exemplo", disse Maria*, que hoje é babá e trabalha desde os 10 anos de idade em casa de família. Ela reconhece avanços, mas cobra a igualdade.
"A única coisa que a gente ainda não tem é o PIS, mas assinar a carteira foi bom. Quando eu comecei, em Guarabira, no interior da Paraíba, a gente não ganhava R$ 100 por semana. Até hoje, o pessoal lá não paga um salário", contou.
A pedido da categoria, a equiparação dos direitos das Domésticas e inclusão das Diaristas na LC 150 está em discussão pelo Governo Federal.
De acordo com a subsecretaria de Estudos do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paula Montagner, a medida é complexa e exige discussão com a sociedade.
“Qualquer medida ou legislação apresentada pelo Executivo demanda ir ao Congresso [Nacional] e ser capaz de convencer o legislador nessa direção”.
Porém, Paula reconheceu que o ministério precisa “facilitar o recolhimento patronal combinado”.
Em 2015, a Lei Complementar garantiu aos domésticos também a indenização por demissão sem justa causa, o pagamento de Horas Extras, folga semanal remunerada e o direito a intervalo para repouso ou alimentação de uma hora, no mínimo, por dia, admitindo-se a redução para 30 minutos por meio de acordo.
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Para assegurar o registro, a trabalhadora precisa ser inscrita pelo patrão no Sistema E-social.
Os direitos conquistados são uma forma de reconhecer a importância da profissão, na opinião de Tâmara*, que é empregada doméstica registrada. Porém, mais medidas de valorização são necessárias.
"A gente dá nosso tempo, amor, carinho, a gente se dedica às crianças, aos idosos, é um trabalho cansativo, que libera tempo para os outros moradores, mas que não é respeitado, muitas vezes, somos maltratadas pelos patrões", reclamou.
Ela se refere a violências, como o assédio moral e sexual.
Tâmara é mãe solo de 2 crianças e complementa a renda como folguista aos finais de semana e no contraturno.
Segundo a Pnad, em 2022, 4 em 10 domésticas eram pobres (26,2%), com renda de até meio Salário Mínimo, ou extremamente pobre (13,4), com renda menor que um quarto de Salário Mínimo.
Mulher negra, pobre, chefe de família e com baixa escolaridade, Tâmara tem o perfil da trabalhadora doméstica no país.
Na avaliação de Anazir Maria de Oliveira, Assistente Social e pioneira na luta das Domésticas, a desvalorização da categoria tem raízes na escravidão.
O fim do regime não garantiu empregos assalariados a pessoas negras, e a relação com as Domésticas espelhou a casa grande, com formas de assédio, violência e maus tratos.
Creuza Oliveira, da Fenatrad, concorda que a resistência ao pagamento das domésticas está enraizada no passado, o que explica a rejeição à formalização.
“[Patrões] Passaram décadas e décadas sem pagar nada, tendo os serviços dessas mulheres em suas casas, em suas fazendas e em seus apartamentos, sem pagar nada”.
Além disso, por ser feito por mulheres, nunca foi valorizado, refletiu Creuza.
TRABALHO DOMÉSTICO ESCRAVO
Autora da PEC das Domésticas, a deputada Benedita da Silva (PT/RJ), que também atuou pela LC 150, vê ainda outra barreira para enfrentar a exclusão histórica das domésticas: o trabalho doméstico escravo.
"Nós temos tido avanços, mas ainda não concluímos a tarefa de ter as trabalhadoras domésticas com seus direitos conquistados cumpridos pelos seus empregadores", afirmou a deputada.
Para melhorar a fiscalização, a subsecretaria Paula Montagner informou que é necessário construir “um percurso legal”, que está em discussão na área de inspeção, e envolve outras áreas, como as polícias, a assistência social e o Judiciário.
Para denunciar trabalho escravo doméstico, ligue para o Disque 100, registre a queixa sistema Ipê ou no site do Ministério Público do Trabalho.
*Maria e Tâmara são nomes fictícios, para preservar a identidade das entrevistadas.
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