Criação de Memorial dos Direitos Humanos em local onde funcionou central de torturas é tema de debate
Elaine Patricia Cruz
Foto: Rovena Rosa
Agência Brasil de Comunicação
www.agenciabrasil.ebc.gov.br
São Paulo/SP - “Se o Estado foi capaz de manter tantos lugares para torturar, que seja também capaz de manter tantos espaços para educar em Direitos Humanos”. Assim o procurador Eduardo Valério defendeu a criação do Memorial DOI-Codi, alvo de disputa entre o governo paulista, responsável pelo local, o Ministério Público e as entidades da sociedade civil, que clamam por sua construção.
A manifestação foi feita durante worshop realizado no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, na capital paulista, para discutir a importância de se construir um memorial nas antigas dependências do que foi o maior centro de tortura do país.
Subordinado ao Exército, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) funcionou entre 1969 e 1982 na Rua Tutóia, na região do Paraíso, em São Paulo/SP.
O DOI-Codi foi o maior centro de repressão política do país durante a ditadura, local de tortura, assassinatos e violações de Direitos Humanos.
Comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, estima-se que no local morreram ao menos 50 presos políticos. Foi ali que, em 1975, foi assassinado o Jornalista Vladimir Herzog.
Neste local, atualmente funciona uma delegacia de polícia. “Isto é um escárnio”, disse Adriano Diogo, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo e esteve preso no DOI-Codi por 90 dias durante a ditadura militar.
“É a mesma coisa que você manter uma unidade policial dentro de um campo de concentração”, acrescentou.
Há anos movimentos clamam para que o local se torne um memorial dedicado a promover reflexões sobre a ditadura no país. Em 2014, a comissão conseguiu que os prédios que compõem o complexo do DOI-Codi fossem tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico.
Apesar disso, a criação dele não se concretizou até hoje. “O memorial serviria para que, ao menos, se atenuasse ou se desse um processo civilizatório a um período tão cruel da história do Brasil”, ressaltou Adriano Diogo.
“A ideia básica é transformar o espaço que foi de violação de Direitos Humanos em um espaço de memória, de enaltecimento da democracia e de enfrentamento à tortura. Seria um espaço de prevenção para que isso não se repita e também de educação em direitos humanos”, disse Valério.
Em 2021, a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo ajuizou uma Ação Civil pedindo para que o Governo de São Paulo transfira o prédio, que pertence atualmente à Secretaria de Segurança Pública, para a Secretaria de Cultura.
Foi uma ma tentativa de conseguir concretizar o memorial. Mas isso ainda não aconteceu.
A Ação Civil Pública, informou Valério durante o evento, encontra-se atualmente suspensa, em busca de acordo das entidades com o Governo de São Paulo.
“Estamos na busca de um acordo naquela perspectiva de que uma decisão judicial, fora o seu caráter incerto, transferiria para o Poder Judiciário uma decisão sobre assunto muito sensível e que, seguramente, não integra a pauta do Judiciário brasileiro”, disse.
“A ideia é investir o máximo que for possível num acordo extrajudicial e que poria fim à ação e impediria que ela fosse remetida para outras instâncias do Judiciário”, ressaltou.
No entanto, segundo o procurador, o Governo de São Paulo não tem se mostrado favorável ao acordo sobre o assunto.
Em 2023, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a atual secretária estadual de Cultura, Economia e Indústria Criativas, Marília Marton, declarou ser contra a construção do memorial.
Segundo a secretária, isso geraria gastos ao Governo, e alegou que já existe um memorial contra a ditadura em funcionamento na capital paulista, o Memorial da Resistência.
“Estamos falando de recurso público. Precisa perguntar para os paulistas que pagam os impostos do Estado se, além do Memorial da Resistência, há interesse histórico de pegar o seu recurso – que não é da secretaria de Estado, não é do Governo do Estado, mas de todos os paulistas”, afirmou, na ocasião.
Para Eduardo Valério, no entanto, se o Governo foi capaz de criar os centros de tortura no passado, deve também ser capaz de criar os centros de memória no presente.
“Se o estado brasileiro foi capaz de fazer tantos centros de tortura e de desaparecimento forçado, que seja capaz também de fazer tantos centros de recuperação da memória, de preservação da memória e de educação e Direitos Humanos”, ressaltou.
“Ali [no DOI-Codi], foram feitos os testes. Ali, foram feitas as experimentações não só da tortura em si, mas também do funcionamento da promiscuidade entre empresa e Estado e grupos paramilitares. Então, é muito importante entendermos que este memorial não pertence ao Governo do Estado de São Paulo ou ao Governo Federal, ele pertence ao povo brasileiro. É um patrimônio da humanidade e como tal deve ser visto”, destacou Flávio de Leão Bastos Pereira, representante do Núcleo da Memória da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Enquanto o memorial não é criado, o Núcleo de Preservação da Memória Política tem desenvolvido visitas guiadas e mediadas ao local.
Além disso, todos os anos, desde 2013, eles fazem uma manifestação cultural na frente do DOI-Codi para homenagear as pessoas que morreram neste local.
“Se o Estado resolve não fizer nada, nós vamos dar visibilidade ao local”, disse Maurice Politi, fundador e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política.
“Hoje temos três visitas por mês no local. A gente calcula que estamos recebendo a visita de cerca de 600 ou 700 pessoas a cada ano”, disse, durante o evento.
“O objetivo do Núcleo Memória, ao fazer isso, é contar sobre o período, com auxílio de testemunhas sobreviventes do local e também formar pessoas mais conscientes e críticas, que reflitam sobre os abusos do poder, as perseguições e os assassinatos ocorridos nesse período”, enfatizou.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Cultura informou que o antigo prédio do DOI-Codi pertence à Polícia Civil, que é responsável por sua manutenção e preservação.
“Quanto ao espaço se tornar um museu, a Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas já conta com um equipamento dedicado a preservação da memória desse período, com amplo acervo, que é o Memorial da Resistência”, informou.
Foto: Rovena Rosa
Agência Brasil de Comunicação
www.agenciabrasil.ebc.gov.br
São Paulo/SP - “Se o Estado foi capaz de manter tantos lugares para torturar, que seja também capaz de manter tantos espaços para educar em Direitos Humanos”. Assim o procurador Eduardo Valério defendeu a criação do Memorial DOI-Codi, alvo de disputa entre o governo paulista, responsável pelo local, o Ministério Público e as entidades da sociedade civil, que clamam por sua construção.
A manifestação foi feita durante worshop realizado no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, na capital paulista, para discutir a importância de se construir um memorial nas antigas dependências do que foi o maior centro de tortura do país.
Subordinado ao Exército, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna) funcionou entre 1969 e 1982 na Rua Tutóia, na região do Paraíso, em São Paulo/SP.
O DOI-Codi foi o maior centro de repressão política do país durante a ditadura, local de tortura, assassinatos e violações de Direitos Humanos.
Comandado pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, estima-se que no local morreram ao menos 50 presos políticos. Foi ali que, em 1975, foi assassinado o Jornalista Vladimir Herzog.
Neste local, atualmente funciona uma delegacia de polícia. “Isto é um escárnio”, disse Adriano Diogo, que presidiu a Comissão Estadual da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo e esteve preso no DOI-Codi por 90 dias durante a ditadura militar.
“É a mesma coisa que você manter uma unidade policial dentro de um campo de concentração”, acrescentou.
Há anos movimentos clamam para que o local se torne um memorial dedicado a promover reflexões sobre a ditadura no país. Em 2014, a comissão conseguiu que os prédios que compõem o complexo do DOI-Codi fossem tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico.
Apesar disso, a criação dele não se concretizou até hoje. “O memorial serviria para que, ao menos, se atenuasse ou se desse um processo civilizatório a um período tão cruel da história do Brasil”, ressaltou Adriano Diogo.
“A ideia básica é transformar o espaço que foi de violação de Direitos Humanos em um espaço de memória, de enaltecimento da democracia e de enfrentamento à tortura. Seria um espaço de prevenção para que isso não se repita e também de educação em direitos humanos”, disse Valério.
Em 2021, a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo ajuizou uma Ação Civil pedindo para que o Governo de São Paulo transfira o prédio, que pertence atualmente à Secretaria de Segurança Pública, para a Secretaria de Cultura.
Foi uma ma tentativa de conseguir concretizar o memorial. Mas isso ainda não aconteceu.
A Ação Civil Pública, informou Valério durante o evento, encontra-se atualmente suspensa, em busca de acordo das entidades com o Governo de São Paulo.
“Estamos na busca de um acordo naquela perspectiva de que uma decisão judicial, fora o seu caráter incerto, transferiria para o Poder Judiciário uma decisão sobre assunto muito sensível e que, seguramente, não integra a pauta do Judiciário brasileiro”, disse.
“A ideia é investir o máximo que for possível num acordo extrajudicial e que poria fim à ação e impediria que ela fosse remetida para outras instâncias do Judiciário”, ressaltou.
No entanto, segundo o procurador, o Governo de São Paulo não tem se mostrado favorável ao acordo sobre o assunto.
Em 2023, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a atual secretária estadual de Cultura, Economia e Indústria Criativas, Marília Marton, declarou ser contra a construção do memorial.
Segundo a secretária, isso geraria gastos ao Governo, e alegou que já existe um memorial contra a ditadura em funcionamento na capital paulista, o Memorial da Resistência.
“Estamos falando de recurso público. Precisa perguntar para os paulistas que pagam os impostos do Estado se, além do Memorial da Resistência, há interesse histórico de pegar o seu recurso – que não é da secretaria de Estado, não é do Governo do Estado, mas de todos os paulistas”, afirmou, na ocasião.
Para Eduardo Valério, no entanto, se o Governo foi capaz de criar os centros de tortura no passado, deve também ser capaz de criar os centros de memória no presente.
“Se o estado brasileiro foi capaz de fazer tantos centros de tortura e de desaparecimento forçado, que seja capaz também de fazer tantos centros de recuperação da memória, de preservação da memória e de educação e Direitos Humanos”, ressaltou.
“Ali [no DOI-Codi], foram feitos os testes. Ali, foram feitas as experimentações não só da tortura em si, mas também do funcionamento da promiscuidade entre empresa e Estado e grupos paramilitares. Então, é muito importante entendermos que este memorial não pertence ao Governo do Estado de São Paulo ou ao Governo Federal, ele pertence ao povo brasileiro. É um patrimônio da humanidade e como tal deve ser visto”, destacou Flávio de Leão Bastos Pereira, representante do Núcleo da Memória da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Enquanto o memorial não é criado, o Núcleo de Preservação da Memória Política tem desenvolvido visitas guiadas e mediadas ao local.
Além disso, todos os anos, desde 2013, eles fazem uma manifestação cultural na frente do DOI-Codi para homenagear as pessoas que morreram neste local.
“Se o Estado resolve não fizer nada, nós vamos dar visibilidade ao local”, disse Maurice Politi, fundador e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política.
“Hoje temos três visitas por mês no local. A gente calcula que estamos recebendo a visita de cerca de 600 ou 700 pessoas a cada ano”, disse, durante o evento.
“O objetivo do Núcleo Memória, ao fazer isso, é contar sobre o período, com auxílio de testemunhas sobreviventes do local e também formar pessoas mais conscientes e críticas, que reflitam sobre os abusos do poder, as perseguições e os assassinatos ocorridos nesse período”, enfatizou.
Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria de Cultura informou que o antigo prédio do DOI-Codi pertence à Polícia Civil, que é responsável por sua manutenção e preservação.
“Quanto ao espaço se tornar um museu, a Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas já conta com um equipamento dedicado a preservação da memória desse período, com amplo acervo, que é o Memorial da Resistência”, informou.
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