Jovem Arquiteta oriunda da periferia é premiada por pesquisa sobre sustentabilidade urbana

Gilberto Costa
Foto: Antônio Cruz
Agência Brasil de Comunicação
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Brasília/DF - Para se formar em Arquitetura, a jovem Angélica Azevedo e Silva, 26 anos, pegava três ônibus para a viagem diária de 1 hora e 30 minutos entre o Gama/DF, região administrativa do Distrito Federal, e a UnB (Universidade de Brasília), onde fez sua graduação, de 2018 a 2023. No longo e cansativo deslocamento, percebia as disparidades entre estar na sede da capital federal e morar na periferia do Distrito Federal.

“Eu reparava na diferença do tratamento dado a Brasília/DF e ao Gama/DF. Mas sabemos que todos têm direito a morar bem, com boa qualidade de vida. As pessoas que vieram trabalhar aqui para construir a capital federal foram mandadas para longe do centro”, aponta.

As diferenças cotidianas foram insumos para que a universitária refletisse sobre a importância de sua futura profissão e sobre formas de melhorar o acesso das pessoas a uma arquitetura sustentável.

Angélica é uma das adolescentes e jovens mulheres agraciadas pela SBPC (Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência) com o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher – Meninas na Ciência.

Ela vai receber R$ 10 mil, na categoria Humanidades, como reconhecimento do seu trabalho de iniciação científica Diagnóstico das Dimensões da Sustentabilidade Urbana no município de Cavalcante/GO e Urbanismo Kalunga: Sustentabilidade, Ancestralidade e Ddentidade, desenvolvido na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da UnB.

Se os exaustivos percursos inspiraram reflexões urbanísticas em Angélica quando universitária, foi a expectativa da família em receber uma casa própria que levou a futura Arquiteta, ainda criança, com 4 anos, a fazer seus primeiros desenhos de casa.

“Eu ficava desenhando, imaginando como é que seria a nossa casa. Como é que eu ia decorar meu quarto".

Apesar de inscrita há 20 anos em programas habitacionais para famílias carentes, a mãe de Angélica nunca foi contemplada com um imóvel. A casa e o quarto ficaram na imaginação, mas os primeiros esboços da menina não foram em vão.

“Eu sempre gostei de Arquitetura, e sempre pensei nela como algo para ajudar as pessoas. Acho que é porque não temos casa própria”.

A pesquisa de iniciação científica de Angélica teve continuidade no TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), onde Angélica apresentou propostas para o plano diretor de Cavalcante/GO, com sugestões para o desenvolvimento do município goiano.

Ela também traçou o projeto urbanístico de revitalização da Avenida da Vila Morro Encantado, bairro majoritariamente quilombola na cidade.

Cavalcante/GO, no norte de Goiás, faz parte do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Além de ponto turístico marcado pela paisagem natural do cerrado e muitas cachoeiras, a região abriga o Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, o maior território remanescente de comunidades quilombolas do Brasil.

A cerimônia de entrega da 6ª edição do prêmio será na próxima terça-feira (11/02), Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência.

A premiação foi criada para valorizar pesquisas de impacto social desenvolvidas por jovens talentos femininos.

NOVOS PROJETOS
Formada há um pouco mais de um ano, Angélica integra o Programa Periferia Viva, do Ministério das Cidades, desenvolvendo um projeto de urbanismo sustentável no assentamento Dorothy Stang, em Sobradinho/DF, e segue como pesquisadora júnior no Laboratório Periférico da FAU/UnB.

Na faculdade, ainda faz pós-graduação (residência) em Ciência, Tecnologia e Sociedade, enquanto espera a próxima seleção de mestrado.

Nas três atividades, lida com problemas habitacionais comuns à parte mais pobre da população. Em sua visão, as soluções podem ocorrer quando os arquitetos e urbanistas estão atentos às demandas sociais.

“Eu quero um urbanismo participativo. Quero que as comunidades tenham direito à moradia e que elas morem com dignidade. Eu quero uma cidade que tenha a infraestrutura básica, bem estabelecida, com tudo que deve ter em uma cidade: áreas verdes, drenagem correta, áreas de lazer, parques, áreas institucionais, tudo o que elas precisem”.

Os pontos de vista de Angélica são endossados por sua orientadora, a professora Liza Maria Souza de Andrade, que estimula o trabalho dos estudantes com pessoas em territórios como os das periferias, assentamentos, quilombos e observa nessas interações uma importante oportunidade de conhecimento e aprendizagem.

“Ela veio da periferia e é uma pessoa que se dedicou muito para passar no vestibular e conseguir entrar na Universidade. É uma pessoa que tem habilidades como pesquisadora e como projetista. Creio que ela descobriu parte de seus talentos aqui estando nesse ambiente”, diz Liza Maria.

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