[COTIDIANO] - A Senhorinha da Linha 129

Teófilo Benarrós de Mesquita
Foto: Cláudio Sobral
Site Ônibus Brasil
http://onibusbrasil.com

Manaus/AM - Essa faz algum tempo que aconteceu. Mas não podia deixar de relatar aqui no Blog do Teófilo.

Tem um preâmbulo, que é assim: no domingo (26/03), deitado na rede ao lado da cama da minha Mãe, ela me questionava, meio cética, se eu estava mesmo gostando de andar de ônibus, rotina que retomei desde novembro de 2016. Respondi a ela que sim, e paciente e didaticamente, expliquei os porquês, que podem se resumir em um único: o convívio direto com pessoas, a maioria muito humildes, no corre-corre, às vezes até na ignorância, tudo para cumprir rotinas e horários.

Suas angústias e aflições.
A irreverência e o bom-humor de uma minoria guerreira.
A indiferença e o individualismo dos que passam a viagem em seus WhatsApps, cabeças baixas, ignorando gestantes e idosos que ficam de pé nos desconfortáveis coletivos.
A doce atitude de uma Mãe de dois pequenos, de rosto extremamente sofrido, que atraí para si olhares de repulsa, mas que procura um cantinho para, suavemente, abrir sua surrada bolsa e tirar quatro bolachas cream crak e dois iogurtes de sachê e alimentar, vagarosamente, seus rebentos, antes de retomar seu destino...

Ahhhhh... Tem também os impagáveis pedintes. O pastor e os palhaços. O aidético e o desabrigado. E aquele que nem se toca que já está manjado, e pede ajuda para completar o seu aluguel de R$ 380,00, que vence naquele dia, embora ele esteja usando o mesmo argumento de três dias antes (gente isso não é julgamento, infelizmente; é a mais pura constatação. Quem anda de ônibus, sabe!!!)

E, menos de 24 horas depois dessa conversa filosófica com minha Amada Mãe, estou eu, na manhã de segunda-feira (28/03), dentro do 129 das 8h50min. Por algum motivo que agora eu não me recordo, estava fora do meu horário. Levemente atrasado. Não era o 129 que tem como cobrador um haitiano que passa o trajeto todo com seus fones de ouvido, talvez a melhor opção que ele encontrou para suportar a dura jornada profissional.

E eis que do nada, uma Senhorinha levanta de uma das cadeiras destinadas a idosos, antes da catraca. Saúda a todos com um bom dia e recebe a resposta de forma tímida; na verdade, poucos prestam atenção a ela.

Aí ela começa: "gostaria de pedir um minuto da atenção de vocês". Penso logo que é mais uma pedinte e fico imaginando como ela vai fazer a coleta, estando antes da catraca. Ela emenda: "quero pedir licença para falar de Jesus Cristo para vocês". Continuo pensando que depois de falar de Jesus, ela virá com o pedido. Ela começa o Pai Nosso e tento acompanhar, apesar do barulho dos vidros e dos ferros velhos do ônibus não me permitir escutá-la bem.

Devagarzinho, aquela Senhorinha com aparência típica de Evangélica vai me calando, desfazendo meus julgamentos. Ela fala de Deus, com certeza. Não posso escutá-la. Mas sinto.

Termina, volta a sentar e um pouquinho adiante, na Praça da Glória, toca o sinal, desce do ônibus, ajeita seus óculos, seu jaleco preto por cima da blusa pólo branca, que conjuntamente com a calça branca, me faz acreditar que ela seja servidora da área de Saúde e segue seu caminho, a pé, em direção ao Prosamin do São Raimundo.

E estou, até hoje, com essa imagem na memória e na retina.

Uma Oração, em meio a um turbilhão.

Fiquei a pensar se a Senhorinha do 129 faz isso todos os dias.

Humildemente, pede atenção, mesmo sem tê-la.
Fervorosamente, faz sua Oração, a favor de tantos que ela nem conhece.

Queria ter essa coragem !!!
Queria ter essa ousadia !!!
Queria ter esse fervor !!!

Às vezes penso até em, deliberadamente, me atrasar uns minutos, só para reencontrar a Senhorinha da Linha 129.

Com cordiais
Saudações Fastianas!
Teófilo Benarrós de Mesquita

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