Viúva de Evaldo Rosa, desabafa após resultado de julgamento: "257 tiros não são legítima defesa"

Tâmara Freire
Foto: Tânia Rêgo
Agência Brasil de Comunicação
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Brasília/DF - A família do músico Evaldo Rosa, morto a tiros por militares do Exército no Rio de Janeiro em 2019, ainda não sabe se vai recorrer da decisão que absolveu os réus.

Depois de tudo o que viu e ouviu durante o julgamento no STM (Supremo Tribunal Militar), na quarta-feira (18/12), a viúva de Rosa, Luciana Nogueira, perdeu a pouca esperança que tinha.

"Eu já imaginava que seria um julgamento difícil, que sendo militares julgando militares, eles iriam favorecer o lado deles e não iriam se sensibilizar pela minha dor. Mas eu não imaginava que seriam uns votos tão horrorosos", lamentou.

"Um ministro falou que a Família está atrás de vingança. Eu não estou atrás de vingança. Eu simplesmente queria que a Justiça fosse feita pelo absurdo gigantesco que eles cometeram contra a minha Família. Nós sabemos, infelizmente, que no Brasil a Justiça é falha. Eu já desacreditava da Justiça e agora muito mais", afirmou.

Evaldo Rosa dirigia o carro da Família e estava acompanhado de Luciana, do filho do casal, do sogro e de uma amiga, indo para um chá de bebê, na tarde do dia 7 de abril de 2019.

Quando eles passavam por uma via no bairro de Guadalupe, na zona norte do Rio de Janeiro/RJ, o carro foi alvejado por militares do Exército que faziam policiamento na região, por força de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem.

Os militares alegam que confundiram o carro da Família com outro que tinha sido roubado, e dispararam 257 tiros de fuzil contra o veículo: 62 atingiram o automóvel.

Evaldo foi baleado mortalmente, e o sogro ficou ferido. O catador de material reciclável Luciano Macedo, que tentou ajudar a Família em meio aos disparos, também foi atingido e morreu.

"Todas as provas são bem nítidas. Você não vai atirar 257 vezes por legítima defesa, 257 tiros você atira pra matar. Até mesmo porque a gente não passou perigo nenhum para eles, nós somos pessoas de bem. Aí eles querem alegar que porque tem tráfico pela redondeza, naquele momento eles estavam muito nervosos", contesta a viúva de Evaldo.

Doze militares foram denunciados pelos crimes de duplo homicídio qualificado e tentativa de homicídio.

Em primeira instância, oito foram condenados: o tenente, que coordenava a operação a 31 anos de prisão, e os outros agentes a 28 anos.

Quatro militares foram absolvidos por não terem efetuado disparos.

A defesa dos réus recorreu ao STM e, nessa quarta-feira (18/12), sete membros do Tribunal decidiram seguir o entendimento do ministro Carlos Augusto Amaral, relator do caso.

Para ele, os militares não podem ser culpados pela morte de Evaldo, porque há dúvidas sobre a origem do disparo que ceifou a vida do músico, já que ele teria ocorrido durante uma troca de tiros entre a patrulha do Exército e os assaltantes.

Com isso, os militares foram inocentados.

A decisão indignou Luciana.

"Eles buscaram fundamentos que não existiram, né? Foi um resultado muito lamentável. Eles continuam com a vida deles e eu e meu filho, a gente vai continuar com um trauma pelo resto das nossas vidas".

Os ministros também requalificaram a condenação pela morte de Luciano Macedo, de homicídio doloso, para homicídio culposo, quando não há intenção de matar, aceitando a tese de legítima defesa.

Agora, o tenente terá que cumprir 3 anos e 7 meses e os outros sete agentes foram sentenciados a 3 anos de prisão em regime aberto.

Somente a ministra Maria Elizabeth Rocha, única mulher do Tribunal, votou para manter as condenações originais.

Ela argumentou que o caso demonstra o racismo estrutural da sociedade brasileira e o perfilamento feito pelas Forças de Segurança na abordagem violenta de pessoas negras e pobres.

“Autorizar o disparo de fuzis, incessantemente, até a morte de meros suspeitos, em função da periculosidade de um local e em razão de os soldados, supostamente, já terem corrido o risco de morte em situação anterior e diversa da que se está vivenciando é colocar a população, sobretudo a que se encontra em locais considerados perigosos, em um risco iminente, o que é inaceitável em um Estado democrático de direito”, defendeu a ministra em seu voto.

"Eu parabenizo muito a ministra, pelas palavras dela. Eu acredito que ela se ponha no meu lugar, ela é mulher igual a mim, é Mãe igual a mim, é esposa igual a mim. Por isso, eu acredito que pra ela sentir a minha dor foi bem mais fácil. Porque pros outros ministros que estavam ali, a nossa vida parece insignificante", disse Luciana.

A Família ainda poderá recorrer ao próprio STM e ao Supremo Tribunal Federal, caso entenda que há um direito constitucional em discussão.

Luciana vai discutir essa possibilidade com seus advogados e com os irmãos de Evaldo, mas não sabe se o esforço valerá a pena.

"Agora que tinha todas as evidências, para que ocorresse um resultado justo, não ocorreu, então eu vou continuar lutando, vou continuar brigando, e será que lá na frente eu vou ter um resultado positivo?"

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