Obras de Raul Seixas uniram estilos em seus 26 anos de carreira

Flávia Albuquerque
Agência Brasil de Comunicação
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Foto: Acervo Discogs
São Paulo/SP - Com uma obra musical composta por 17 discos e mais de 300 músicas, lançados durante 26 anos de carreira, Raul Seixas completaria neste sábado (28/06) 80 anos de Vida.

Considerado pai do Rock brasileiro e cultuado por sucessivas gerações, o soteropolitano era um adolescente quando o Rock surgiu no cenário musical, nos Anos 1950, e chegou ao Brasil.

Influenciado e fascinado por toda a efervescência cultural da época, o artista criou um estilo próprio, combinando o ritmo ao baião, com referências a Elvis Presley.

A lista de canções memoráveis de Raul Seixas é longa, com letras contestadoras e que valorizam a crítica social e a liberdade individual: Maluco Beleza, Metamorfose Ambulante, Ouro de Tolo, Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás, Sociedade Alternativa, Gita, Cowboy Fora-da-Lei, Tente Outra Vez, Medo da Chuva, O Trem das Sete, Capim Guiné, Como Vovô Já Dizia, Carimbador Maluco, Al Capone, Mosca na Sopa, Meu Amigo Pedro, O Dia em Que a Terra Parou, S.O.S., Aluga-se, Eu Também Vou Reclamar.

Segundo o pesquisador de Música Popular e Cultura e professor na Universidade Mackenzie, Herom Vargas, o sucesso de Raul Seixas demorou a acontecer.

Ainda em Salvador/BA, formou sua primeira banda, Os Panteras, na época da Jovem Guarda, no final dos Anos 1960.

O grupo conheceu o cantor Jerry Adriani, que os convidou para ir ao Rio de Janeiro/RJ. Rebatizada de Raulzito e Os Panteras, a banda gravou então seu primeiro disco.

O pesquisador conta que essa foi a primeira tentativa de atingir um público mais amplo e nacional.

"É claro que, em Salvador/BA, ele já era conhecido, mas, no Rio [de Janeiro/RJ] e no resto do Brasil, ainda não. Só que o disco não fez sucesso, e uma parte da banda voltou para Salvador/BA, enquanto ele continuou no Rio [de Janeiro/RJ], sem nenhum dinheiro. Aquilo que ele fala na música Ouro de Tolo é verdade. Ele passou um perrengue no Rio de Janeiro/RJ”, explicou Vargas.

Em seguida, Raul foi produtor na gravadora CBS, e esse período durou até surgir uma nova oportunidade para que se unisse a mais três cantores: Miriam Batucada, Sérgio Sampaio e Edy Star.

“E esses quatro fizeram um disco chamado Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10. É um disco de 71. Um disco experimental, difícil de de ouvir, que obviamente não fez sucesso. Essa foi a segunda tentativa”.

Raul Seixas continuou trabalhando, e em 1972, se inscreveu no Festival Internacional da Canção, com a a música Let Me Sing, Let Me Sing.

Ele não ganhou o Festival, mas a música teve alguma repercussão, abrindo as portas de outra gravadora, a Philips Records, na qual lançou um compacto com Ouro de Tolo.

Logo depois, veio seu primeiro disco solo, o Krig-Ha, Bandolo!, de 1973.

“Esse é um disco clássico que, ainda hoje em dia, é um dos que sempre aparecem nas listas dos melhores discos da música brasileira. Tem Mosca na Sopa, Rockixe, As Minas do Rei Salomão e uma série de de músicas bem legais do Raul. Foi aí que ele ficou conhecido nacionalmente. Batalhando desde 66, 67, só chegou no grande público em 73. É uma história bem interessante esse início de carreira, os perrengues todos, e as idas e vindas de um compositor e de um cantor. Ainda bem que deu certo”, disse Vargas.

O compositor também explorou temas como Misticismo, Filosofia e Contracultura, expressos em sua parceria com Paulo Coelho, principalmente no início da década de 1970.

Cláudio Roberto foi o parceiro mais frequente de Raul depois da fase com Paulo Coelho, com a composição de mais de 50 músicas ─ com 31 delas gravadas entre 1975 e 1988.

Raul ainda teve como parceiros Marcelo Motta, em canções como A Maçã e Se Ainda Existe Amor; e Marcelo Nova, no álbum A Panela do Diabo, em 1989, marcando uma parceria importante no final da carreira de Raul.

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OCULTISMO E MISTICISMO
Ao contrário do que muitos pensam, Raul Seixas nunca teve um vínculo propriamente dito com o Misticismo ou com o 0cultismo, sendo apenas um estudioso desses temas, disse o fã e amigo Sylvio Passos.

“Com o Ocultismo, ele tinha lá suas reservas e olhava sempre com um olhar mais filosófico do que propriamente devoto, ocultista ou qualquer coisa desse sentido. O ocultista, na verdade, era o Paulo Coelho, que sempre foi um cara ligado mais a questões religiosas, metafísicas e tal. O Raul, não. O Raul era Anarquista, como ele mesmo se definia. Uma Metamorfose Ambulante, um materialista dialético”.

Na definição de Passos, que acompanhou a carreira de roqueiro e se tornou amigo do cantor, da família e de amigos, Raul Seixas tratava de temas complexos sendo um cantor popular, um cara do Rock e da Música Brasileira como um todo.

Isso imprimia a ele a singularidade e a importância dentro de todo cenário artístico brasileiro, já que ele trazia esses temas "para um povo que nem sequer lia".

“O mais curioso é que o Raul, sendo materialista dialético, uma Metamorfose Ambulante, a obra toda carrega uma pluralidade. Raul era plural, um investigador da história da humanidade, de por que o ser humano é o que é, por que se comporta da maneira que com se comporta. Ele olhava para o mundo, absorvia tudo isso e transformava em música. Ele dizia o seguinte: ‘se você quer me conhecer de fato, ouça meus discos, eu estou inteiro lá’”, afirmou Passos.

Segundo Passos, a transição da carreira de Raul Seixas, ao passar da pessoa que amava Elvis Presley e se inspirava nele para outra fase, se enquadra em um processo evolutivo comum a todos os seres humanos.

Para o fã e amigo, a loucura por Elvis Presley pode ter sido o gatilho para que ele se tornasse o adolescente questionador, que chegou no adulto que, com 27 anos de idade, gravou seu primeiro disco.

“E com aquilo que ele coloca em todas as faixas e continua dali para frente. Então, tem toda essa cronologia do ser humano, do indivíduo, que vai evoluindo, e de alguma forma melhorando ou piorando. O Raul sempre foi melhorando, sempre mais questionador, sempre mais voltado para si mesmo, tentando entender o que acontecia no mundo e no seu entorno”.

Raul Seixas enfrentou o alcoolismo e teve vários problemas de saúde provocados pela doença, como diabetes, hipertensão, problemas no fígado e a pancreatite que o levou à morte, em 1989, aos 44 anos, vítima de uma parada cardíaca.

Ele foi encontrado morto no apartamento em que vivia, em São Paulo/SP.

PASSEATAS
Desde então, fãs e admiradores da obra reúnem-se anualmente na data para a conhecida Passeata Raulseixista em homenagem ao cantor e compositor. A concentração geralmente acontece em frente ao Theatro Municipal de São Paulo/SP.

A assessora de imprensa Mayara Grosso, 30 anos, começou a participar do evento aos 8 anos de idade, levada pelos pais, fãs do cantor.

Familiarizada com a obra, já que seu irmão mais velho ouvia os discos com frequência, ela cresceu frequentando a passeata anualmente e conhecendo muitos dos fãs que se tornaram amigos de sua família.

Foi daí que surgiu a ideia de, como trabalho de conclusão de curso, escrever um livro-reportagem chamado A Semente da Nova Idade, que aborda a trajetória de Raul Seixas, com ênfase na passeata raulseixista.

“Durante esse processo, eu fui descobrindo e entendendo a história de muitos fãs. Além de uma celebração de Raul, virou também um grande encontro de amigos. É onde a galera se encontra. Então, vem muita gente de muitos estados, cidades diferentes e acaba virando um grande culto. É uma emoção muito particular para cada um, porque Raul Seixas representa muita coisa. Para mim, representa família. É uma memória que pega bastante, porque meu pai já faleceu e gostava muito de ir à passeata”.

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